Prêmio e castigo: Por que eles não melhoram a obediência
Escritor Alfie Kohn, autor de Unconditional Parenting, afirma que não se muda comportamento com punições e prêmios
ISABEL CLEMENTE
15/09/2013 10h53 - Atualizado em 15/09/2013 12h03
Eu sempre me senti desconfortável com essa história de
recompensar a criança por um bom comportamento. Do mesmo modo, me sentia mal
quando decidia impor como castigo, por exemplo, não contar história na hora de
dormir porque ninguém tinha me obedecido. Não me caía bem.
Como eu não quero embrulhar meu carinho para presente, nem instituir um sistema de trocas sugerido por presentinhos, estrelinhas ou seja lá que nome tiver a moeda da vez, eu busco um ideal de educação que transborde amor, mas que faça essas crianças atenderem a gente pelamordedeus. E olha que, às vezes, a própria vem com a suposta solução. “Se eu passar a dormir cedo você me dá um presente?“. Tentador, mas não obrigada. Elas aprendem rápido a capitalizar, sem necessariamente ter aprendido isso em casa. Bom comportamento não se compra.
Quando compartilhei meu desconforto no texto A pior mãe do mundo (Post acima), a leitora Verônica Lacerda me deu uma dica: o livro Unconditional Parenting, de Alfie Kohn, autor de várias publicações sobre educação. Agradeço a Verônica publicamente. O escritor reúne fortes argumentos para mostrar que está tudo errado nessa forma convencional e amplamente utilizada de castigar e recompensar as crianças.
Nesta coluna, vou me ater à primeira parte do livro em que ele explica por que considera a prática de castigar e recompensar nociva. No próximo domingo, vou tratar da parte final em que ele, longe de apresentar uma fórmula como tantos livros de autoajuda parental, aprofunda sua proposta: mostrar as alternativas mais altruístas à mão.
Antes de prosseguir com as ideias de Kohn - como ele mesmo define, um material subversivo por questionar tudo o que vem sendo adotado pelo senso comum como a melhor maneira de educar - abro um parênteses.
Pensar sobre a melhor forma de fazer algo tão importante como criar nossos filhos é um exercício necessário, tanto quanto os aeróbicos para o coração. Deveria estar prescrito por médicos. O correto, no entanto, não existe. Atitudes sensatas não seguem receitas.
Requerem uma avaliação da realidade que se tem à mão, algo sujeito a combinações infinitas entre as necessidades dos pais e das crianças.
Tenho duas meninas pequenas e sei muito bem o que significa dar conta de rituais básicos como fazê-las sair da cama, ir ao banheiro, escovar os dentes, comer, beber, botar a roupa, tirar a roupa, fazer o dever, sair da frente da TV, parar de brigar e também parar de brincar quando eu tenho um horário a cumprir. Por essas e outras, passamos uma boa parte do nosso tempo buscando resultados de curto prazo (obedeça-me pelamordedeus) e sei bem o quanto tudo isso pode se tornar exasperante. Eu já tive os meus momentos de querer jogar as mãos para o céu e perguntar “meu pai, por que me abandonaste?“, mas gosto de olhar pelo retrovisor e rir de mim mesma.
Dito isso, o que eu depreendo da leitura desse livro e passo a compartilhar com vocês é que existe alternativa para tudo, inclusive para a ideia de que precisamos convencer a criança a fazer exatamente o que ditamos para ela o tempo todo.
Em nome da obediência já cometemos nossa cota de frases absurdas da boca para fora e já ouvimos outras ainda piores por aí para nosso consolo, não é verdade? Pais que humilham seus filhos publicamente, ou deixam pra trás uma criança aos berros - que em um minuto estará em pânico - e soltam críticas sorrindo para a pessoa ao lado como se cumprisse um dever cívico. “Que menino feio, esse...“. Esse comentário, Kohn observa dentro de uma outra história, é típico de quem está preocupado em dar uma resposta para o entorno porque, para muitas pessoas, criança bem comportada é aquela que não causa problemas para os adultos agora. Já peguei muito avião com minhas filhas - quando eram ainda menores - e sei o quanto é desconfortável (para não dizer hostil) um adulto fulminar uma criança com o olhar porque ela está falando alto ou tentando se aproximar com brincadeiras.
Neste livro, Alfie Kohn chama a atenção para essas expectativas de curto prazo e rotula como problemática a mais ampla estratégia utilizada com este mesmo fim: castigar e recompensar. Em Paternidade e Maternidade Incondicional (minha livre tradução), Alfie Kohn desenvolve, com o suporte de estudos e pesquisas, uma tese para provar que “há problemas sim em se tentar mudar o comportamento das crianças punindo-as ou recompensando-as“.
O principal questionamento do autor é se a prática diária ajuda os filhos a se tornarem os adultos que esperamos que eles sejam. “Crianças precisam ser guiadas e ajudadas, mas não são pequenos monstros que precisam ser domesticadas ou curadas. Elas têm capacidade para ser agressivas ou amorosas, egoístas ou altruístas, cooperativas ou competitivas. Muito disso dependerá da educação que receberem, incluindo, entre outros fatores, o amor incondicional que receberem“, diz.
Castigos e recompensas, segundo o escritor, ensinam as crianças a agradar para serem amadas. Tanto punir quanto enfatizar elogios, mesmo sendo atitudes tão opostas, derivam de um mesmo conceito problemático, diz. Prêmios são ineficientes como motivações reais. Pesquisas sugerem poucos resultados efetivos no processo de aprendizado porque a motivação parte de fora e não se torna intrínseca. Ela é, no máximo, internalizada, o que não quer dizer a mesma coisa.
“Há uma grande diferença entre a a criança que faz algo por acreditar ser o certo e aquela que faz a coisa certa por compulsão para agradar“, escreve.
Dos castigos mais usuais, Kohn condena o que ele chama de negação de carinho, reproduzida em frases como “se você continuar fazendo isso que eu não gosto, não vou prestar nenhuma atenção em você. Vou fingir que você nem está aqui. Se você quiser que eu te note novamente, me obedeça“. Ele chama essa estratégia de isolamento forçado, um sofrimento emocional tão ou mais prejudicial do que o físico. “Não quero dizer que seu filho está para sempre estragado porque uma vez você o mandou para o quarto pensar sozinho quando ele tinha 4 anos. Ao mesmo tempo, os efeitos dessa prática no longo prazo não é algo que inventei hoje no banho. Não é especulação nem historinha de terapeutas. Pesquisas controladas ligam vários tipos de medos ao uso contínuo da técnica de negação do amor“, diz.
Quem se sentir atacado por afirmações tão duras vai responder “mas eu amo incondicionalmente meu filho“ apesar de recorrer às técnicas que o autor condena. “E é justamente por amá-lo que vou puni-lo“, outros vão argumentar. O autor diz que mais importante do que os nossos sentimentos em relação aos filhos é a maneira como a criança percebe esse sentimento, pela forma como a tratamos. “Os educadores nos lembram que o que conta em sala de aula não é a lição ensinada pelos professores, mas a lição aprendida pelo aprendiz“.
Broncas continuarão fazendo parte dessa história, não tenho dúvidas quanto a isso, mas tem um conteúdo e uma forma de dizer que podem e devem ser trabalhados. Acreditar que castigo é uma lição capaz de ensinar as crianças sobre as consequências de seus atos é, na visão do escritor, uma falácia. A mensagem do castigo é forçar o outro a pensar na consequência do ato para si mesmo.
Educação não é um jogo de causa e consequência direta, mas o que vários estudos de psicologia sugerem é que essa é a lógica do indivíduo que avalia os riscos de uma situação sob uma única perspectiva: o próprio umbigo. Se eu não for pego, então não tem problema, como o político antiético que tenta se justificar de todas as maneiras preso à letra da lei, que não proíbe explicitamente certas práticas condenáveis. São pessoas que não sabem distinguir o imoral do moral, o antiético do ético, o certo do errado.
Parece radical, e é. Dificil encontrar alguém que se enquadre 100% num único padrão. Pais que agem sempre assim. É certo que muitos pais que castigam também se esmeram em transmitir aos filhos conceitos como empatia e solidariedade por palavras e exemplos. Não estariam, portanto, enquadrados no recado do livro. Eu acho que estão. Todos estamos. É certo também que muitas crianças passam incólumes pelas situações mais absurdas e pelas criações mais contraditórias. E o autor faz essas ressalvas. Mas o que várias pesquisas mostram é que a regra geral não é essa. Ao corrigir o rumo de certas atitudes, estaremos tirando do cesto do nosso exemplo a laranja mofada capaz de contaminar todo o resto. É uma questão de lidar com situações de forma a elevar as chances de nossos filhos se tornarem adultos independentes, equilibrados, felizes e capazes de irem atrás do próprio sonho.
Pode ser que muito do que será dito aqui encontre um eco profundo nos nossos instintos. Nunca consegui negar um abraço para a filha que, mesmo chateada com a bronca recebida, procurava em mim (o gatilho da chateação) consolo para a própria tristeza. Muitas vezes eu me perguntava se essa flagrante contradição era algo errado que eu estava fazendo. Sei agora que estava em curso apenas minha maternidade incondicional.
A criança que se sente amada e amparada sob qualquer hipótese desenvolve autoconfiança sem amarras. Ela não está preocupada em agradar para ser aceita. É mais provável que assuma riscos por não ter medo de fracassar. “É do profundo autocontentamento que vem a coragem para alcançar“, diz Kohn.
A leitura ajudou a tirar a nuvem de dúvida que eu ainda tinha sobre certas posturas. Não que eu agora saiba de pronto o que fazer (alguém sabe?) ou esteja contando histórias toda noite, desprendida que só. Se fizerem tudo para postergar a hora do sono, como adoram fazer, elas sabem que estarão consumindo o tempo que temos juntos. Se a hora avançar demais, recebem a informação de que, infelizmente, não haverá história hoje porque elas se importam comigo, sabem que preciso jantar, que tenho interesses para cuidar, ok? Eu temia a ladainha da reclamação, achando que precisava poupá-las do meu desgaste, esse intruso da vida adulta que entra casa da gente adentro. Não é isso. Eu não preciso me queixar o tempo todo mas posso dividir com elas minhas necessidades, quem sabe despertando mais um pouco de solidariedade. E posso garantir que esse papo todo tem surtido mais efeito do que bronca na hora de deitar.
Reproduzo e resumo abaixo alguns trechos dos cinco primeiros capítulos que ajudam a pensar o que pode estar errado. Semana que vem, abordarei os princípios que, segundo Alfie Kohn, devem guiar a paternidade e a maternidade incondicional. Só para não dizer que não adiantei nada disso aqui. São basicamente três caminhos: expressar amor incondicional, dar aos filhos chances de tomar decisões e imaginar como as situações são vistas pelo ponto de vista da criança (empatia!).
SOBRE PALMADAS
Punir crianças, em poucas palavras, é fazer com que algo desagradável aconteça com elas, ou impedir que elas experimentem algo legal, com o intuito de ensiná-las uma lição. Inúmeras pesquisas sugerem tolerância-zero com a ideia de punir crianças espancando-as ou dando palmadas. Se homens batendo em mulheres já é algo doentio, adultos batendo em crianças, independentemente da razão, é ainda pior.
SOBRE GELO
O sofrimento emocional de ignorar as crianças é a versão moderna do castigo físico.
SOBRE RECOMPENSAS
Não é a quantidade de motivação que importa, mas o tipo. E o tipo de motivação criada por recompensa geralmente tem o efeito de reduzir a motivação que esperamos que nosso filho tenha: um interesse genuíno que persista muito além da duração da recompensa.
A CONTROVERSA AUTO-ESTIMA
Infelizmente, alguns pais que receberam pouco amor incondicional quando crianças terminam diagnosticando mal o problema e assumem que os que lhes faltou foi elogio. Daí eles enchem os filhos de comentários como “bom trabalho“, garantindo o surgimento de uma nova geração que continuará sem receber o que realmente importa.
Muitos pais estão discutindo como fazer com que seus filhos aprendam a ler cada vez mais cedo, em vez de se perguntarem como fazer para que eles realmente gostem de ler.
EXCESSO DE CONTROLE
Particularmente com crianças, e de novo com adolescentes, a meta de controlar prova ser uma ilusão. Mesmo assim, insistimo em perspicazes ou forçadas estratégias com o intuito de fazer com que eles concordem conosco e nos obedeçam. E quando essas técnicas falham, esse fracasso é interpretado como prova de que precisamos fazer mais...do mesmo.
Como pais, precisamos estar envolvidos e estar cientes de detalhes das vidas de nossos filhos. Nada neste livro deve ser interpretado como um argumento a favor de você sentar e deixar as crianças se autogerirem. Podemos até dizer que é nosso papel estar `no controle`, no sentido de criar um ambiente seguro e saudável, dando um rumo e estabelecendo limites, mas não é nossa função ficar controlando, no sentido de exigir absoluta obediência ou contar com pressão e regulação em busca dessa obediência. Na verdade, ainda que soe paradoxal, precisamos estar no controle para ajudá-los a ter controle sobre a própria vida.
POR QUE OS CASTIGOS FALHAM
Deixa as pessoas irritadas. É uma experiência duplamente sofrida, para quem pune e para quem é punido.
Reforça o poder e a hostilidade como meios de solucionar problemas.
Perde a eficiência com o tempo - Quanto mais velha a criança, mais difícil será encontrar castigos suficientemente desagradáveis. Chega um ponto em que as ameaças soam vazias e as crianças dão de ombros. Quanto mais você depender de castigos para se fazer ouvir, menos influência real terá na vida do seu filho.
Mina o relacionamento entre pais e filhos - os pais deixam de ser vistos como aliados carinhosos, algo vital para um desenvolvimento saudável, e são encaradas como os todo-poderosos adultos capazes de fazer as crianças sofrer de propósito.
Funciona como um incentivo à mentira - Crianças com medo dos pais mentem para escapar do castigo.
NOTAS NA ESCOLA
A corrida por boas notas muitas vezes leva os alunos a pensar de forma mais rasa e superficial. Eles podem ler os livros apenas pelas partes que “precisam saber“, fazendo apenas o que é demandado e nada a mais. Podem também considerar truques para tirar notas mais altas. Podem também trapacear. Crianças boas nesse jogo vão tirar A, passar no teste e agradar os pais. Mas eles aprendem realmente o que lhes foi ensinado? Fazem perguntas pertinentes e inteligentes sobre o que o professor disse, ou pensam criticamente sobre o que está no livro? Eles fazem conexões entre ideias diversas e olham para um assunto sob vários ângulos? Às vezes, talvez, elas o façam, mas pequisas sugerem que é menos provável que isso aconteça se o objetivo for apenas produzir um boletim brilhante.
MENSAGENS TOXICAS
Nossas crianças recebem mensagens tóxicas de professores, amigos, companheiros, treinadores, para não citar a mídia e a cultura na qual vivemos. Mas não tem escapatória: a mensagem para ser bem-sucedido, suplantar outros e ser o melhor é uma pressão que muitas vezes começa em casa. De qualquer forma, cabe a nós, pais, desafiar essas mensagens sobre aceitação condicional e garantir que nossas crianças se sintam amadas não importa como nem por quê.
Para quem quiser saber mais www.unconditionalparenting.com
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